MOVIMENTOS SOCIAIS: QUESTÕES CONCEITUAIS

Lua Nova: Revista de Cultura e Política

ISSN 0102-6445

Lua Nova  no.17 São Paulo June 1989


Um objetivo para os movimentos sociais?*


Alberto Melucci
Professor do Departamento de Política Social da Universidade dos Estudos de Trento, Itália

Esta é uma versão reduzida de um texto apresentado no Sixth Colloquium of EGOS (European Group for Organizational Studies) para o grupo de trabalho sobre "novos movimentos e mudança nas formas de organização", reunido pelo autor. O Colloquium foi realizado no Centro de Estudos do CISL, em Florença, de 3 a 5 de novembro de 1983, promovido com o auxílio do CNR (Consiglio Nazionale per le Ricerche) e co-patrocinado pelo Instituto Paolo Farnetti, da Universidade de Turim, que forneceu o apoio organizacional.

APÓS OS ANOS 70: UMA REAVALIAÇÃO TEÓRICA

Nos últimos vinte anos surgiram novas formas de ação coletiva em áreas anteriormente intocadas pelos conflitos sociais. A crise das estruturas políticas e conceituais frente a estes novos fenômenos tornou-se evidente nos anos 70, impulsionando uma ampliação do conhecimento empírico e uma redefinição das categorias analíticas.
A observação das sociedades complexas contemporâneas sugere que:
1. As novas formas de agregação social têm uma natureza permanente e não-conjuntural. Elas coexistem com outras categorias mais consolidadas (como as classes, grupos de interesse e associações) e, embora variem em suas formas empíricas, são um componente estável e irreversível dos sistemas sociais contemporâneos.
2. Uma função de socialização e de participação "submersa" é preenchida por estas novas formas de solidariedade conflitual, que abrem novos canais para o agrupamento e a seleção de elites. Os meios tradicionais de socialização política, de inovação cultural e de modernização institucional, em conseqüência disso, se redefiniram.
3. O controle da complexidade tem de se ocupar cada vez mais com a relação entre sistemas institucionais de representação e de tomadas de decisão e novas formas de ação. Estas não são facilmente adaptáveis aos canais existentes de participação e às formas tradicionais de organização política; além disso, seus resultados são difíceis de prever e isso aumenta o já alto grau de incerteza nestes sistemas.
Assim, uma discussão da estrutura teórica de analise não é só um exercício preliminar, mas uma condição para um entendimento satisfatório dos movimentos contemporâneos.
Hoje o momento parece apropriado para uma reavaliação da contribuição teórica dos anos 70 na área dos movimentos sociais. O legado da filosofia da história foi reconhecido, durante muitos anos, num certo dualismo. A ação coletiva era tratada ou como um efeito de crises estruturais ou contradições, ou como uma expressão de crenças e orientações compartilhadas. Estes pontos de vista impediram a consideração da ação como um sistema de relações. Os anos 70 tornaram possível uma resolução deste dilema teórico,
Uma primeira dualidade foi formulada em termos de isolamento/solidariedade (Tilly, 1975; Useem, 1980), A primeira abordagem (representada por teorias do comportamento coletivo e da sociedade de massa)1 considera a ação coletiva como um resultado da crise econômica e da desintegração social, particularmente entre os desamparados. A última considerava os movi mentos sociais como uma expressão de interesses partilhados dentro de uma situação estrutural comum (especialmente uma condição de classe, como em todas as abordagens derivadas do marxismo). As teorias do isolamento negligenciaram a dimensão do conflito dentro da ação coletiva e a reduziram à reação patológica e à marginalidade. Os modelos de solidariedade foram incapazes de explicar a passagem das condições sociais para a ação coletiva. O problema marxista clássico (como passar da condição de classe para a consciência de classe) ainda existe e não pode ser resolvido sem levar em consideração como um ator coletivo é formado e mantido.
Outra dualidade pode ser observada em termos de estrutura/motivação (Webb, 1983) — isto é, a ação coletiva vista como um produto da lógica do sistema, ou como um resultado de crenças pessoais. A ênfase estava, por um lado, no contexto socioeconômico, por outro, no papel da ideologia e dos valores.
Durante os anos 70 algumas teorias ultrapassaram as alternativas isolamento/solidariedade ou estrutura/motivação. Na Europa, autores como Touraine (1973, 1978) ou Habermas (1976) basearam suas análises numa abordagem "estrutural", sistêmica, que atribuía as novas formas de conflito e a formação de novos atores (além das lutas tradicionais na força de trabalho) às mudanças no capitalismo pós-industrial. Alguns teóricos americanos tentaram explicar como um movimento é constituído, se e como ele sobrevive no tempo e em relação a seus contextos, isto é, em termos de mobilização de recursos (McCarthy & Zald, 1973, 1977, 1979; Gamson, 1975; Oberschall, 1973; Tilly, 1978).2
No meu entender, seguindo de perto as teorias dos anos 70, os movimentos devem ser examinados não à luz das aparências ou da retórica, mas como sistemas de ação.3 Uma herança dos anos 70 é o que eu chamaria de um "paradigma cético" em relação aos movimentos sociais, pelo qual entendo que não se compreende a ação coletiva como uma "coisa" e não se valoriza inteiramente o que os movimentos dizem de si mesmos; tenta-se mais descobrir o sistema de relações internas e externas que constitui a ação.
Mas as teorias dos anos 70 também deixam dois problemas insolúveis. As teorias estruturais, baseadas na análise de sistemas, explicam por que mas não como um movimento se estabelece e mantém sua estrutura, ou seja, elas apenas hipotetizam sobre o conflito potencial sem considerar a ação coletiva concreta e os atores. Aqueles pesquisadores, por outro lado, que trabalham com um modelo de mobilização de recursos, vêem esta ação como meros dados e não conseguem examinar seu significado e orientação. Nesse caso, como mas não por quê. Os dois pontos de vista não são irreconciliáveis. Cada um deles é legítimo em seus limites, mas ambos, infelizmente, com freqüência e talvez implicitamente, são tomados como uma explicitação global.
Segue-se, portanto, que a análise se concentraria mais nas relações sistêmicas do que na simples lógica dos atores. Mas, ao mesmo tempo, a ação não pode ser analisada somente dentro das contradições estruturais. A ação tem de ser considerada como uma interação de objetivos, recursos e obstáculos, como uma orientação intencional que é estabelecida dentro de um sistema de oportunidades e coerções. Os movimentos são sistemas de ação que operam num campo sistêmico de possibilidades e limites. É por isso que a organização se torna um ponto crítico de observação, um nível analítico que não pode ser ignorado. O modo como os atores constituem sua ação é a conexão concreta entre orientações e oportunidades e coerções sistêmicas. Eu penso que nessa direção o legado dos anos 70 pode ser criativamente consolidado através de uma concentração na análise do como, sem negligenciar o porquê.4

SOBRECARGA POLÍTICA

Muitas contribuições recentes assumem uma abordagem sistêmica, orientada pela relação, para a ação coletiva, enfatizando mais as oportunidades e coerções do que as orientações subjetivas ou os fatores meramente objetivos. Este é o caso dos desenvolvimentos recentes na abordagem da mobilização de recursos (Garner & Zald, 1981) e de algumas análises sobre protesto (Marsh, 1977; Tarrow, 1982 e 1983; Webb, 1983a). O protesto é uma parte de um sistema de relações que inclui respostas do sistema político e a interação entre grupos de protesto e elites. O conceito de estrutura de oportunidade política (Tarrow) é relevante para a análise da ação coletiva como um sistema e não apenas como uma crença ou um conjunto de interesses "objetivos". Kriesberg (1981 e 1982) refere-se a um "paradigma de interação múltipla" que emerge dos estudos recentes sobre movimentos sociais. Estas contribuições, como parte de "uma área intelectual mais ampla,5 são inovações importantes, particularmente quando comparadas com os estudos americanos tradicionais, em que os movimentos sociais são, bastante freqüentemente, reduzidos às crenças ou ao comportamento de massa.
Elas também abriram o campo para pesquisas posteriores. Por exemplo, quando Tarrow hipotetiza uma conexão entre ciclos de protesto e ciclos de reforma, ele sugere que o protesto é mais uma função "fisiológica" estável em sociedades complexas do que uma manifestação de patologia social (como nos pontos de vista mais tradicionais). Em segundo lugar, a análise desta conexão pode fornecer uma base empírica para o ponto de vista tradicional, que é marxista na origem, ligando o conflito social à mudança.
Não obstante, as contribuições acima concentram a análise mais no nível político do que na "sociedade civil". Os conflitos sociais são reduzidos ao protesto político e vistos como parte de um sistema político. A confrontação com o sistema político e com o Estado é apenas um fator mais ou menos importante na ação coletiva. O conflito freqüentemente pode afetar o próprio modo de produção ou a vida cotidiana das pessoas. Os participantes na ação coletiva não são motivados apenas pelo que eu chamaria de uma orientação "econômica", calculando custos e benefícios da ação. Eles também estão buscando solidariedade e identidade (Pizzorno, 1983; Melucci, 1982), que, diferentemente de outros bens, não são mensuráveis e não podem ser calculados. Isso é particularmente verdadeiro para os movimentos dos anos 80. Eles se concentram nas necessidades de auto-realização, mas não numa orientação política, porque contestam a lógica do sistema nos campos culturais e na vida cotidiana das pessoas.6
Nos dois lados do Atlântico, o interesse atual na abordagem da mobilização de recursos e nas teorias de troca política (Pizzorno, 1977 e 1978) parece indicar um afastamento dos paradigmas anteriores baseados nos interesses de classe ou nos valores partilhados, que foram preponderantes até agora. Reflete também o clima cultural mutante; o problema de administrar a incerteza em sistemas complexos dá um papel central às dimensões políticas de ação. Mas este ponto de vista exagera a função da política, exatamente num momento em que os movimentos estão se deslocando para um terreno não político. Embora a relação entre sistemas políticos e movimentos sociais seja uma perspectiva analítica que é difícil de evitar em sociedades complexas, é uma perspectiva limitada. Os conflitos sociais contemporâneos não são apenas políticos, pois eles afetam o sistema como um todo. A ação coletiva não é realizada apenas a fim de trocar bens num mercado político e nem todo objetivo pode ser calculado. Os movimentos contemporâneos também têm uma orientação antagônica, que surge de e altera a lógica das sociedades complexas.
Mas estes diferentes pontos de vista não podem ser comparados sem tornar claro a que conceito de movimento social se está referindo.

O QUE É UM MOVIMENTO?

Como Tarrow apontou recentemente (Tarrow, 1983), o campo dos movimentos sociais é um dos mais indefiníveis que existem. Os movimentos são difíceis de definir conceitualmente e há várias abordagens que são difíceis de comparar. Os vários' autores tentam isolar alguns aspectos empíricos dos fenômenos coletivos, mas como cada autor acentua elementos diferentes, dificilmente se pode comparar definições. Infelizmente, estas são mais definições empíricas do que conceitos analíticos.
Tarrow, entretanto, ajuda a esclarecer uma distinção entre movimentos (como formas de opinião de massa), organizações de protesto (como formas de organizações sociais) e eventos de protesto (como formas de ação). Por não ser meramente descritiva, esta é uma distinção que serve para evitar a confusão entre os vários fatores, mas ela também não basta. No que diz respeito aos movimentos Tarrow segue a definição de Tilly (1978), que é um bom exemplo de uma generalização empírica: um movimento social é um fenômeno de opinião de massa lesada, mobilizada em contato com as autoridades. Semelhante movimento, Tarrow também admite, raramente atua de maneira concertada e sua existência deve ser inferida das atividades de organizações que reivindicam representá-lo (Tarrow, 1983: 5).
Mas como saber que existe um movimento atrás do protesto ativo? Aparentemente é uma presença metafísica atrás da cena, que é ocupada pelas organizações de protesto e pelos eventos de protesto. A abordagem de mobilização de recursos, assumindo uma definição empírica, parece chamar toda forma de ação política não-institucional como movimento social. A palavra "movimento" tem o perigo de se tornar sinônimo de tudo que muda na sociedade. O próprio conceito de protesto tem fracas bases analíticas. O protesto poderia ser definido como toda forma de denúncia de um grupo lesado? Como uma reação que rompe as regras estabelecidas? Como um confronto com as autoridades? Ou como tudo isso?
Estas proposições evidenciam a mesma falta de distinção entre uma generalização empírica e uma definição analítica. Como se diferenciar entre um tumulto antigovernamental de bêbados, uma greve sindical e uma ampla mobilização contra a política nuclear? Todos eles podem ser empiricamente considerados como protestos, mas cada um deles tem um significado e uma orientação significativamente diferentes. A definição de protesto como um comportamento disruptivo demonstra as impropriedades das generalizações empíricas. Tal definição implica um sistema de referência, um conjunto de limites ou fronteiras que são rompidas. De fato, aqueles que escrevem sobre o protesto fazem implicitamente referência ao sistema político. O único sistema possível de referência torna-se o confronto com as autoridades e a ação coletiva é simplesmente reduzida à ação política. Esta sobrecarga política, como já se destacou, é analiticamente sem base, particularmente quando referida aos movimentos contemporâneos.
É necessária uma mudança das definições empíricas para as analíticas. As linhas seguintes indicarão, se não uma solução satisfatória desse problema, uma direção em que a pesquisa poderia avançar.7
A abordagem atual dos movimentos sociais está baseada na suposição de que os fenômenos empíricos de ação coletiva são um objeto de análise que é unificado e significativo em si próprio e que pode dar, quase diretamente, explicações satisfatórias sobre as origens e a orientação de um movimento. Um movimento é visto (como diria um francês) como um personagem que atua na cena histórica com uma unidade de consciência e ação que está longe de se afastar da fragmentação atual e da pluralidade de um movimento social empírico. Os movimentos dispendem uma grande parte de seus recursos tentando manter sua unidade e conseguir uma certa homogeneidade com um campo social composto de vários elementos.
Ao considerar um movimento como um personagem, a análise ignora que a unidade é mais um resultado do que um ponto de partida; portanto, deve-se assumir que há uma espécie de "espírito" oculto do movimento, ao invés de considerá-lo como um sistema de relações sociais. Uma ação coletiva não pode ser explicada sem levar em conta como os recursos internos e externos são mobilizados, como as estruturas organizacionais são constituídas e mantidas, como as funções de liderança são garantidas. O que é empiricamente chamado de "movimento social" é um sistema de ação que liga orientações e significados plurais. Uma ação coletiva singular ou um evento de protesto, além disso, contêm tipos diferentes de comportamento e as análises têm de romper sua aparente unidade e descobrir os vários elementos nela convergentes e possivelmente tendo diferentes conseqüências.
O significado de uma ação coletiva depende, portanto, de seu sistema de referência e de suas dimensões analíticas. O mesmo comportamento empírico pode ser visto de maneiras diferentes, se ele se refere ou não a um sistema organizacional, a um sistema político, a um modo de produção (Melucci, 1977 e 1980). Ao usar o conflito, a solidariedade e o rompimento dos limites do sistema como dimensões analíticas básicas (Melucci, 1980, 1982 e 1983), diferenciei entre vários tipos de ação coletiva. Defino conflito como uma relação entre atores opostos, lutando pelos mesmos recursos aos quais ambos dão um valor. A solidariedade é a capacidade de os atores partilharem uma identidade coletiva (isto é, a capacidade de reconhecer e ser reconhecido como uma parte da mesma unidade social). Os limites de um sistema indicam o espectro de variações tolerado dentro de sua estrutura existente. Um rompimento destes limites empurra um sistema para além do espectro aceitável de variações.
Eu defino analiticamente um movimento social como uma forma de ação coletiva (a) baseada na solidariedade, (b) desenvolvendo um conflito, (c) rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação. Estas dimensões permitem que os movimentos sociais sejam separados dos outros fenômenos coletivos (delinqüência, reivindicações organizadas, comportamento agregado de massa) que são, com muita freqüência, empiricamente associados com "movimentos" e "protesto". Além disso, os diferentes tipos de movimentos podem ser avaliados de acordo com o sistema de referência da ação (Melucci, 1980, 1982 e 1983). O que nós costumeiramente chamamos de movimento social muitas vezes contém uma pluralidade destes elementos e devemos ser capazes de distingui-los se quisermos entender o resultado de uma dada ação coletiva.
A delinqüência pode ser tratada, as reivindicações podem ser negociadas, mas o comportamento antagônico não pode ser inteiramente integrado. As lutas podem produzir algumas mudanças na política, mas com muita freqüência o conflito reaparece em outras áreas da estrutura social. Ao se distinguir estes significados diferentes na ação coletiva, duas deficiências ideológicas atuais podem ser evitadas. Por um lado, os movimentos tendem a enfatizar o significado geral, "mais superior" de sua ação e proclamam ter uma unidade que muito freqüentemente não existe. Por outro lado, aqueles no poder tendem a acentuar o significado "mais inferior" da ação coletiva e a reduzi-la à patologia social ou ao comportamento agregado.

A ESFERA DE AÇÃO DOS MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS

Hoje podemos observar a formação de uma nova esfera de conflitos, que pertence especificamente às sociedades capitalistas pós-industriais, complexas ou avançadas. (De que maneira podemos chamar nossas sociedades? Este é um sintoma interessante do impasse atual.)
O desenvolvimento capitalista não pode mais ser assegurado pelo simples controle da força de trabalho e pela transformação dos recursos naturais para o mercado. Ele requer uma intervenção crescente nas relações sociais, nos sistemas simbólicos, na identidade individual e nas necessidades. As sociedades complexas não têm mais uma base "econômica", elas produzem por uma integração crescente das estruturas econômicas, políticas e culturais. Os bens "materiais" são produzidos e consumidos com a mediação dos gigantescos sistemas informacionais e simbólicos.
Os conflitos sociais saem do tradicional sistema econômico-industrial para as áreas culturais: eles afetam a identidade pessoal, o tempo e o espaço na vida cotidiana, a motivação e os padrões culturais da ação individual. Os conflitos revelam uma mudança maior na estrutura dos sistemas complexos e novas contradições aparecem, afetando sua lógica fundamental. Por um lado, sistemas altamente diferenciados produzem cada vez mais e distribuem recursos pela individualização, pela auto-realização, por uma construção autônoma das identidades pessoais e coletivas. E isso é porque os sistemas complexos são sistemas informacionais e não podem sobreviver sem assumir uma certa capacidade autônoma nos elementos individuais, que têm de ser capazes de produzir e receber informação. Conseqüentemente, o sistema deve aperfeiçoar a autonomia dos indivíduos e grupos e sua capacidade para se tornarem terminais efetivos de redes informacionais complexas.
Por outro lado, estes sistemas precisam cada vez mais de integração. Eles têm de estender seu controle sobre os mesmos recursos fundamentais que permitem seu funcionamento, se quiserem sobreviver. O poder deve afetar a vida cotidiana, a motivação profunda da ação individual dever ser manipulada, o processo pelo qual as pessoas dão significado às coisas e as suas ações deve estar sob controle. Pode-se falar de "poder microfísico" (Foucault, 1977) ou de uma mudança na ação social de uma natureza externa para "interna" (Habermas, 1976).
Os conflitos dos anos 80 revelam estas novas contradições e implicam uma intensa redefinição da situação dos movimentos sociais e de suas formas de ação. Eles envolvem grupos sociais mais diretamente afetados pelos processos delineados acima. Eles surgem naquelas áreas do sistema que estão ligados aos investimentos informacionais e simbólicos mais intensivos e expostos às pressões maiores pela conformidade. Os atores nestes conflitos não são mais distintos pela classe social, como grupos estáveis definidos por uma condição social e uma cultura específicas (como a classe trabalhadora o era durante a industrialização capitalista).
Os atores nos conflitos são cada vez mais temporários e sua função é revelar os projetos, anunciar para a sociedade que existe um problema fundamental numa dada área. Eles têm uma crescente função simbólica, pode-se talvez falar de uma função profética. Eles são uma espécie de nova mídia (Marx & Holzner, 1977; Sassoon, 1984). Eles não lutam meramente por bens materiais ou para aumentar sua participação no sistema. Eles lutam por projetos simbólicos e culturais, por um significado e uma orientação diferentes da ação social. Eles tentam mudar as vidas das pessoas, acreditam que a gente pode mudar nossa vida cotidiana quando lutamos por mudanças mais gerais na sociedade.8
Porque apreende um movimento apenas como um dado ator empírico, a teoria da mobilização de recursos é incapaz de explicar o significado destas formas contemporâneas de ação. A esfera de ação dos novos conflitos sociais é criada pelo sistema e por suas exigências contraditórias. A ativação de resultados específicos depende mais de fatores históricos e conjunturais. Os conflitos empíricos específicos são desenvolvidos por diferentes grupos que convergem na esfera de ação fornecida pelo sistema. A esfera de ação e os projetos dos conflitos antagônicos devem, portanto, ser definidos no nível sincrônico do sistema. Os atores, ao contrário, podem ser definidos apenas levando em conta fatores diacrônicos e conjunturais, particularmente no funcionamento do sistema político. A teoria da mobilização de recursos pode ajudar no entendimento de como diferentes elementos convergem para ativar ações coletivas específicas, mas não pode explicar por que a ação surge e para onde vai.
Dois conjuntos de questões parecem, portanto, ser relevantes:
a) Como os atores coletivos administram seus recursos a fim de manter e desenvolver sua ação? Como eles interagem com seu ambiente, particularmente com os sistemas políticos?
b) Qual é a situação sistêmica e a orientação de um movimento?
Com muita freqüência as análises dos movimentos contemporâneos, principalmente aquelas em termos de mobilização de recursos, respondem à primeira questão, mas fazem afirmações implícitas sobre a segunda. Elas evitam o nível macro (que é o domínio típico dos teóricos europeus), mas de fato tendem a reduzir toda ação coletiva ao nível político. É por isso que elas omitem a novidade e o conteúdo específico dos movimentos sociais emergentes.

O PADRÃO ORGANIZACIONAL

Podemos ainda falar de "movimentos" quando nos referimos aos fenômenos sociais recentes? Eu preferiria falar de redes de movimento ou de áreas de movimento, isto é, uma rede de grupos partilhando uma cultura de movimento e uma identidade coletiva (Reynaud, 1982). Este conceito não está distante do de indústria de movimento social de Zald (McCarthy & Zald, 1977) — como o conjunto de organizações orientado para a mesma espécie de mudança social — e do seu mais recente setor de movimento social (Garner & Zald, 1981), que inclui todo tipo de ações orientadas para os objetivos dos movimentos. Minha definição inclui não apenas as organizações "formais", mas também a rede de relações "informais" que conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área de participantes mais ampla.
O surgimento destes conceitos indica que os movimentos sociais estão mudando suas formas organizacionais, que estão se tornando completamente diferentes das organizações políticas tradicionais. Além disso, eles estão adquirindo autonomia crescente em relação aos sistemas políticos; como um subsistema específico, criou-se um espaço próprio para a ação coletiva nas sociedades complexas. Ele se torna o ponto de convergência de formas de comportamento diferentes que o sistema não pode integrar (incluindo não só orientações conflitantes, mas também comportamento desviante, inovação cultural etc).
A situação normal do "movimento" hoje é ser uma rede de pequenos grupos imersos na vida cotidiana que requerem um envolvimento pessoal na experimentação e na prática da inovação cultural. Eles surgem apenas para fins específicos, como, por exemplo, as grandes mobilizações pela paz, pelo aborto, contra a política nuclear etc. A rede submersa, embora composta de pequenos grupos separados, é um sistema de troca (pessoas e informações circulando ao longo da rede, algumas agências, como rádios livres locais, livrarias, revistas que fornecem uma determinada unidade).
Estas redes (descritas primeiramente por Gerlach & Hine, 1970) têm as seguintes características: a) elas permitem associação múltipla; b) a militância é apenas parcial e de curta duração; c) o envolvimento pessoal e a solidariedade afetiva é requerida como uma condição para a participação em muitos dos grupos. Este não é um fenômeno temporário, mas uma alteração morfológica na estrutura da ação coletiva.
Pode-se falar de um modelo bipolar: latência e visibilidade têm duas funções diferentes. A latência permite que as pessoas experimentem diretamente novos modelos culturais — uma mudança no sistema de significados — que, com muita freqüência, é oposta às pressões sociais dominantes: o significado de diferenças sexuais, de tempo e espaço, de relação com a natureza, com o corpo, e assim por diante. A latência cria novos códigos culturais e faz com que os indivíduos os pratiquem. Quando pequenos grupos surgem para enfrentar uma autoridade política numa decisão específica, a visibilidade demonstra a oposição à lógica que leva à tomada de decisão com relação à política pública. Ao mesmo tempo, a mobilização pública indica ao resto da sociedade que o problema específico está ligado à lógica geral do sistema e também que modelos culturais alternativos são possíveis.
Estes dois pólos, visibilidade e latência, são reciprocamente correlacionados. A latência permite a visibilidade por alimentar o primeiro com recursos de solidariedade e com uma estrutura cultural para a mobilização. A visibilidade reforça as redes submersas. Fornece energia para renovar a solidariedade, facilita a criação de novos grupos e o recrutamento de novos militantes atraídos pela mobilização pública que então flui na rede submersa.
A nova forma organizacional dos movimentos contemporâneos não é exatamente "instrumental" para seus objetivos. É um objetivo em si mesma. Como a ação está focalizada nos códigos culturais, a forma do movimento é uma mensagem, um desafio simbólico aos padrões dominantes. Compromisso de curta duração e reversível, liderança múltipla aberta ao desafio, estruturas organizacionais temporárias e ad hoc são as bases para a identidade coletiva interna, mas também para um confronto simbólico com o sistema. Às pessoas é oferecida a possibilidade de outra experiência de tempo, espaço, relações interpessoais, que se opõe à racionalidade operacional dos aparatos. Uma maneira diferente de nomear o mundo repentinamente reverte os códigos dominantes.
O meio, o próprio movimento como um novo meio, é a mensagem. Como profetas sem encantamento, os movimentos contemporâneos praticam no presente a mudança pela qual eles estão lutando: eles redefinem o significado da ação social para o conjunto da sociedade.

O RESULTADO E SISTEMAS POLÍTICOS

Como o resultado dos movimentos contemporâneos pode ser medido? Pode-se falar de seu êxito ou fracasso?
O modelo delineado sugere que, paradoxalmente, os movimentos são tanto vencedores como não-vencedores: porque o desafio afeta os códigos culturais, a mera existência de um movimento é uma reversão dos sistemas simbólicos dominantes. Para estes movimentos, o êxito ou o fracasso são, estritamente falando, conceitos sem significado. Mas não é assim de um ponto de vista político.
Os movimentos produzem a modernização, estimulam a inovação e impulsionam a reforma. Aqui seu resultado pode ser medido. Mas não se deve esquecer que isto é apenas uma parte e nem sempre a mais importante da ação coletiva contemporânea.
O movimento de mulheres fornece um bom exemplo desta situação. Uma revisão da literatura recente mostra a excessiva ênfase colocada pelos analistas nos aspectos organizacionais e no que eu chamaria de resultado de igualdade.9 O objetivo do movimento não é apenas a igualdade de direitos, mas mais o direito de ser diferente.A luta contra a discriminação, por uma distribuição mais igualitária no mercado econômico e político é ainda uma luta pela cidadania. O direito de ser reconhecido como diferente é uma das mais profundas necessidades na sociedade pós-industrial ou pós-material.
Ser reconhecida como uma mulher é afirmar uma experiência diferente, uma percepção diferente da realidade, enraizada em "outro" corpo, numa maneira específica de se relacionar com a pessoa. O movimento de mulheres, quando fala de diferença, fala para o conjunto da sociedade e não apenas para as mulheres. Para as sociedades que desenvolvem uma pressão crescente pela conformidade, esta reivindicação tem efeitos disruptivos, desafia a lógica do sistema e tem uma orientação antagonista.
O resultado político do movimento de mulheres em termos de igualdade permite que a diferença seja reconhecida. Mas o "êxito" no campo político enfraquece o movimento, aumenta sua segmentação, leva alguns grupos à profissionalização e à burocratização, e outros a um sectarismo disruptivo. A mensagem da diferença, entretanto, não morre. Torna-se um objetivo cultural e político que mobiliza muitos outros grupos.
Este exemplo aponta para outro problema crítico das sociedades complexas: ou seja, a relação entre organizações políticas, particularmente aquelas com uma tradição marxista, e os padrões emergentes de ação coletiva. Que espécie de representação poderia oferecer efetividade política aos movimentos sem reduzi-los ao papel de correia de transmissão leninista?
As mobilizações dos anos 80 mostram que na passagem da latência para a visibilidade uma função é desenvolvida pelas organizações de proteção, que fornecem recursos financeiros e organizacionais para campanhas públicas sobre decisões específicas, embora reconhecendo a autonomia das redes submersas. Talvez um novo espaço político esteja designado além da distinção tradicional entre Estado e "sociedade civil": um espaço público intermediário, cuja função não é institucionalizar os movimentos, nem transformá-los em partidos, mas fazer a sociedade ouvir suas mensagens e traduzir suas reivindicações na tomada de decisão política, enquanto os movimentos mantêm sua autonomia.
A utopia leninista era transformar um movimento num poder. A evidência do que é eufemisticamente chamado de "socialismo real" demonstra as trágicas conseqüências desta utopia. Reivindicações conflituais e poder não podem ser mantidos pelos mesmos atores. Uma sociedade aberta, mesmo uma sociedade "socialista", é uma sociedade que pode aceitar a coexistência de um poder criativo e de conflitos sociais ativos sem entrar em colapso.

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* Tradução de Suely Bastos. 
1 Ver especialmente Smelser (1963); Kornhauser (1959). 
2 Para urna revisão e discussão da abordagem de mobilização de recursos, ver Jenkins (1983) e Freeman (1983). 
3 Este conceito é derivado de diferentes estruturas teóricas (cf. Touraine, 1973; Crozier & Friedberg, 1977; Coleman, 1975). 
4 Esta foi a proposta de uma pesquisa empírica mais ampla sobre novas formas de ação coletiva (juventude, mulheres, ambientalistas, novas religiões) na área metropolitana de Milão, resultados da qual podem ser encontrados em Melucci (1984). (Ver também Donati, 1984 e Sassoon, 1984.) 
5 Uma análise dos movimentos sociais que levam em conta a interação sistêmica e as respostas do sistema político é também proposta por Ergas (1981 e 1983); Wilson (1977); Delia Porta (1983). 
6 Utilizei a expressão "movimentos pós-políticos" (Melucci, 1982). Offe (1983) fala de "paradigma metapolítico" dos movimentos contemporâneos. 
7 Para um desenvolvimento mais amplo, ver Melucci (1980, 1982 e 1983). 
8 Uma discussão destes tópicos, ligando-os às mudanças gerais nas sociedades pós-industriais, está proposta ern Melucci (1981 e 1981a). 
9 Ver, por exemplo, Freeman (1975) e Gelb (1982). Para uma análise dos movimentos sociais em termos de êxito e fracasso, ver também Fox Píven & Cloward (1977).

VIII Encontro Nacional de Grupos de Agroecologia: Monoculturas da Mente x Agroecologia de Saberes

O Encontro Nacional de Grupos de Agroecologia (ENGA) surge a partir da proposta e iniciativa dos chamados “Grupos de Agroecologia” (GA’s). Há décadas os GA’s se constituem de forma autônoma nas universidades, protagonizados por estudantes das mais diversas áreas do conhecimento, com a intenção de estudarem, pesquisarem e praticarem a Agroecologia. Os Grupos de Agroecologia, e por conseguinte o ENGA, são indícios da insatisfação com relação à razão instrumental predominante nas escolas, cuja abordagem não proporciona uma reflexão acerca da finalidade do conhecimento técnico e científico que é gerado nestes espaços. Essa falta de reflexividade acerca da finalidade da produção do conhecimento faz com que grande parte da demanda tecnológica, das metodologias, do processo educativo e de produção do conhecimento se direcionem meramente ao adestramento para o mercado de trabalho e a fins tecnocráticos, mercantis e industriais. Os cursos das ciências agrárias, por exemplo, possuem uma matriz curricular na qual prepondera uma visão de agricultura e de “des-envolvimento” rural voltado a uma perspectiva industrial e capitalista (Agronegócio), baseada no pacote tecnológico da “Revolução Verde”, no latifúndio, na monocultura e na produção de commodities para exportação, em uma lógica meramente voltada ao lucro.

Mas afinal, por que estudamos/pesquisamos? Qual a finalidade do conhecimento que produzimos? Para que e para quem servem? Quais as relações de poder e os interesses estão presentes nas escolas/ universidades?
Qual o direcionamento de nossa formação profissional?

Nesse sentido é que se propõe o tema “Monoculturas da Mente x Agroecologia de Saberes”. Em oposição à razão instrumental se faz necessário estabelecermos espaços de construção de uma razão crítica que estimule a reflexão sobre qual a universidade, qual a educação, e mais especificamente qual a educação em agroecologia, queremos construir - seja qual for o espaço educativo, em baixo do pé de goiabeira ou na sala de aula. Qual Agroecologia e, em última instância, qual projeto de sociedade almejamos construir? Para construir esse projeto Agroecológico é necessário uma concepção formativa que leve a construção de um senso crítico e a constituição de espaços do livre pensar que desenvolvam a consciência e que abarquem a diversidade de saberes e perspectivas.
O ENGA surge como um espaço construído a fim de proporcionar a práxis pedagógica, ou seja, com a finalidade de ser um espaço de se experienciar e colocar em pratica um conteúdo reflexivo e teórico e vice-versa. Proporcionar a reflexão sobre o que fazemos e praticar o que pensamos. Além disso, o ENGA surgiu a fim de possibilitar o encontro e a articulação da diversidade de Grupos de Agroecologia que têm protagonizado a construção dessas perspectivas outras da razão e do conhecimento, de modo a exercitar esses outros métodos de aprendizagem horizontal: mútuos e compartilhados. O ENGA é um espaço de intercâmbios e vivências desses conhecimentos, saberes e sabores que, de modo geral, não costumam ser abordadas na educação convencional e na sociedade em geral. A fim de manter as articulações e o fortalecer estas interações e relações foi criada a Rede de Grupos de Agroecologia do Brasil (REGA Brasil).
O encontro também constitui-se em um laboratório microssocial de construção e desconstrução, tanto subjetiva como coletiva, com a finalidade de sairmos do automatismo da “normalidade” posta na vida em sociedade e para a experimenta-ação de relações sociais outras, afinal a Agroecologia não trata-se somente de uma mudança técnica, mas de todo um conjunto de relações e interações socioculturais, éticas, políticas, econômicas e ecológico-ambientais. Nesse marco é que temos a proposta da convivência horizontal, organização e atuação autogestionada, colocando em cheque as relações hierárquicas e desiguais em sociedade, do “mandar e obedecer”, da exploração mútua, da competição e do individualismo. A intenção é de criar um senso de coletividade e solidariedade. É importante frisar que autogestão, muito diferente do “deixar rolar” e do espontaneísmo, pressupõe ORGANIZAÇÃO coletiva, ou seja, pressupõe um despertar de uma disciplina individual consciente a fim de inserir-se nas dinâmicas coletivas, conscientizando-se de sua importância na constituição do TODO, que é o coletivo - tal qual nosso organismo, que é um aglomerado de células e órgãos em sintonia e comunica-ação em prol da constituição do corpo. Estas são questões importantes a serem mencionadas, pois elas fazem parte de nossa práxis educativa agroecológica, a fim de repensarmos como nós nos inserimos em sociedade, pois consideramos que o processo, o modus operandi, é parte fundamental na construção da Agroecologia de Saberes em contraposição às Monoculturas da Mente.
O modo que iremos nos relacionar e agir no mundo demonstram a finalidade do que almejamos construir enquanto Movimento Agroecológico.

Dinâmica dos espaços programáticos

O evento e seus espaços programáticos têm inspiração em metodologias participa-ativas que promovem o diálogo, a interação e os intercâmbios entre as/os participantes. Pedimos às/aos mediadoras/es e participantes das Rodas de Prosa que registrem os acúmulos dos espaços em relatorias para que elas sejam partilhadas no momento da Plenária FInal e para que elas possam contribuir na construção da Carta Política do encontro.
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