Avaliações do Congresso Brasileiro de Agroecologia por entidades dos principais movimentos sociais


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O VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) encerrou suas atividades no dia 28 de novembro com uma mesa composta pelos organizadores do evento e representantes da juventude que estavam no V Encontro Nacional de Grupos Agroecológicos (Enga), também realizado em Porto Alegre (RS). A avaliação foi que as atividades estão crescendo com aumento também na qualidade dos trabalhos e debates, e a integração dos encontros foi bastante positiva.

Criada durante o II Encontro de Grupos Agroecológicos, a Rede de Grupos de Agroecologia do Brasil (REGA) vem amadurecendo novos caminhos e reflexões nos últimos anos, disse Lara Angelo, representante do movimento. Ela explicou que estão sendo realizadas campanhas, como a maio agroecológico com ações para promover, divulgar e fortalecer a agroecologia. A estudante relatou que tem encontrado dificuldades para viabilizar ônibus junto às universidades para garantir a participação da juventude nos encontros.
“A Cúpula dos Povos foi um marco para a gente, realizamos a Feira de Troca de Sementes com participação de estudantes, movimentos e comunidades tradicionais. Estamos amadurecendo essa construção, prezamos pela auto-gestão tanto da organização quanto dos espaços. Fazer nossa unidade na diversidade. Os estudantes junto aos movimentos, nos articulando e trocando. É importante a participação da juventude trazendo novas metodologias, em parceria com a ANA e a ABA que é uma conquista muito motivadora. Queremos participar das discussões e tomadas de decisões”, destacou.
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De acordo com Paulo Petersen, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), a escolha de marcar os dez anos do I CBA situando a organização desses eventos na história foi um acerto metodológico. Foram entregues mais de mil trabalhos, representando um aumento na produção acadêmica na agroecologia e o crescimento desse reconhecimento, complementou. 
“Nos situar nessa história é fundamental, porque podemos ver onde não funciona e ter capacidade de ver no que estamos avançando, por que e de que forma. O Enga é expressão de renovação de um processo, com novas lideranças, qualidade política, é válido para ABA e todos os movimentos. Respeita a diversidade, não é com estruturas rígidas que vamos construir a agroecologia. Na Assembleia da ABA foi definido que o próximo CBA, no final de 2015, será realizado em Belém/PA. Precisamos dar visibilidade a outras realidade da diversidade do Brasil”, ressaltou Petersen.
Durante o CBA a professora Irene Cardoso, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), foi eleita a nova presidente da ABA. Ela ressaltou os desafios para 2014: Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, publicações da Rede Agroecologia, ajudar na realização do III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), e o compromisso de fortalecer e enraizar a agroecologia. “Sejamos todos presidentes, pode demorar duzentos anos mas esse é um dever nosso: havemos de libertar a mãe terra dos recursos químicos”, disse.
Algumas moções de repúdio foram lidas pela plenária no encerramento do evento. Os povos indígenas pediram maior participação nos eventos agroecológicos para também debater terra, água e agronegócio. Um estudante reivindicou o reconhecimento e credenciamento dos profissionais da agroecologia, e foram lidas cartas políticas elaboradas pela REGA e a Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (Feab), ambas organizações da juventude agroecológica. Marciano Toledo, representando o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), reivindicou uma ciência mais cidadã e socialmente justa. Ao final a secretária executiva do Congresso, Cintia Barenho, leu a carta política construída no evento.

Universidade, entre agroecologia e agronegócio



Qual deveria ser o papel do ensino superior de Agricultura, num mundo que enfrenta fome e crise socioambiental planetária?

Por Luciana Jacob | Fotografia: Jorge Luiz Campos

Como instituição social que é, a universidade expressa a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade, em suas atividades de ensino, pesquisa e extensão e em sua gestão. Assim, tal qual a sociedade, a universidade é constituída não só por diferentes visões de mundo, como principalmente por visões conflitantes: a produção de conhecimento e sua incorporação nos currículos universitários são processos atravessados por relações de poder.

A articulação dos conhecimentos existentes com o sistema econômico vigente orienta a formação de profissionais para as demandas explícitas do mercado. Isto fica evidente nas formas curriculares, na escolha de quais conhecimentos devem fazer parte da formação e tornar-se objetos de pesquisa e, principalmente, nas ausências que denunciam o descaso legado a projetos contra-hegemônicos. As atividades universitárias foram atingidas por forças que amplificaram sua condição de dependência à globalização neoliberal, afastando-se das demandas sociais necessárias para um projeto democrático de país. Elas têm se aproximado do mundo empresarial, relegando a segundo plano o interesse público.

Social e historicamente construídos, os saberes produzidos pela universidade são eleitos por determinados grupos sociais como legítimos, credíveis e merecedores de serem reproduzidos a determinados grupos sociais.

Que saberes e grupos sociais são incluídos e quais são excluídos da universidade e, em decorrência, quais divisões sociais são produzidas e reforçadas? Qual o significado da ausência de determinados saberes na universidade? É um silêncio genuíno ou fruto de um silenciamento, ou seja, de uma imposição epistemológica?

A degradação ambiental, o risco de colapso ecológico e o avanço da desigualdade e da pobreza são sinais muito graves da crise do mundo globalizado. Na agricultura, assistimos à perda da soberania alimentar, à fome, à violência no campo, à perda de diversidade genética e dos solos, ao avanço da concentração de terras, ao desmatamento, ao envenenamento por agrotóxicos. Paralelamente, temos assistido a uma ofensiva aterradora de setores conservadores do Congresso Nacional sobre os direitos fundamentais de indígenas, contra o Código Florestal e a Lei de Biossegurança. Presenciamos a aprovação indiscriminada de transgênicos, sem os estudos necessários e a devida responsabilidade social e científica.

De modo predominante, a universidade contribui para a manutenção do paradigma hegemônico, formando pessoas aptas a lhe dar continuidade e produzir conhecimento que alimenta e fortalece seus preceitos. Na área de Ciências Agrárias, as atividades acadêmicas geralmente se articulam em torno do paradigma do agronegócio como cânone de desenvolvimento do país. E, como sabemos, a razão que permeia o agronegócio tem como características o capitalismo e a globalização neoliberal; a total dependência de insumos finitos e externos ao sistema agrícola; a simplificação genética; a concentração de terras e riquezas; entre outros – aspectos completamente avessos à sustentabilidade socioambiental.

A organização das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) divulgou recentemente o Relatório de 2013 sobre Comércio e Meio Ambiente, intitulado “Acorde antes que seja tarde demais: torne a agricultura verdadeiramente sustentável agora para a segurança alimentar em um clima em mudança” (em tradução livre do inglês). O relatório, para além de alertar sobre os danos do paradigma hegemônico de produção agrícola, aponta a adoção da agroecologia como fundamental para evitar o agravamento da crise socioambiental e prováveis crises alimentares futuras – exatamente o oposto do que vem sendo desenvolvido pela grande parte das universidades brasileiras.

A construção de uma racionalidade ambiental para o enfrentamento destes problemas – em oposição à racionalidade econômica – exige a elaboração de novos saberes e, principalmente, a participação dos grupos historicamente silenciados e que mais sofrem as consequências nefastas da crise da modernidade na construção destes saberes. No espaço da universidade, isto implica a internalização das discussões socioambientais nas atividades de ensino e pesquisa, a abertura do diálogo com outras formas de saber e o repensar do papel da extensão universitária na perspectiva que Boaventura de Sousa Santos chama de ecologia de saberes.

Assento esta ideia em três pressupostos. A abundância de conhecimento no mundo é muito superior ao o conhecimento disponível em um currículo de determinada área. Além disso, a escolha de quais conhecimentos são legítimos e válidos é feita pelos grupos sociais dominantes e que assim o são pois historicamente oprimiram os grupos sociais hoje excluídos. Por fim, esta relação de poder guarda em si a força da hierarquização: os saberes que não passam nesse crivo são considerados alternativos, lendas, crenças, locais, ou seja, são descredibilizados.

Como avançar na construção de conhecimento socioambiental destinado à transformação social, quando a cultura e os saberes de camponeses e camponesas foram marginalizados e deslegitimados? Como dissolver o muro que tem separado a universidade das lutas sociais de modo geral e, especificamente, da agroecologia e soberania alimentar?

Proponho três alternativas que, se não completas e definitivas, se configuram como desafios para estas transformações.

Primeiro: mudanças nas prioridades da universidade – o que, como e para quem pesquisar e ensinar – não se operam de forma desconectada das estruturas sociais. Embora possa ser espaço de resistência, questionamento e promoção de transformação social, a universidade é sobretudo reprodutora de paradigmas mais amplos e funciona de acordo com dinâmicas sociais que por vezes a transcendem. Assim, não há possibilidade de se construir conhecimento contra-hegemônico de forma descolada dos grupos que mais sofrem as violências do conhecimento hegemônico nem à revelia de outros setores da sociedade. Há a necessidade de se avançar para uma ecologia de saberes que, segundo Boaventura, é o confrontamento da monocultura do saber e do rigor científico pela identificação de outros saberes e de outros critérios de rigor que operam credivelmente em práticas sociais.

O segundo é que as mudanças não podem ser implementadas apenas por alguns, mas é pela força de alguns poucos que elas ganharão projeção institucional. Sua promoção faz sentido em contextos específicos, com lutas conectadas com a história de cada instituição, apesar de fortalecerem e serem fortalecidas por lutas mais amplas, de outros grupos sociais, de outros lugares, de outros movimentos, de outras escalas e outras identidades culturais – ou seja, inserida em uma globalização contra-hegemônica.

O terceiro é que não há possibilidade de se pensar a inclusão de saberes socioambientais na universidade sem que isto seja tratado em termos epistemológicos e metodológicos. Epistemológicos porque promover o debate sobre sustentabilidade na universidade requer uma ecologia de saberes que luta contra a injustiça cognitiva. E metodológicos, uma vez que a inserção deste saber, pela sua própria complexidade, está imbricado também no questionamento crítico acerca dos métodos e estruturas em que se pauta atualmente o ensino superior.

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